
Basileia viveu uma final de nervos: como o jogo se desenrolou
Duas defesas bastaram para mudar a história. Hannah Hampton, sempre calma, parou duas cobranças e empurrou a Inglaterra para o topo do continente mais uma vez. Em St. Jakob-Park, na Suíça, o roteiro foi de filme: Espanha sai na frente, Inglaterra empata, 120 minutos de tensão e, nos pênaltis, 3 a 1 para as inglesas. É o segundo título europeu seguido para as Lionesses, agora com uma virada emocional sobre a campeã mundial.
O encontro já carregava um peso raro. Era o reedição da final da Copa de 2023, vencida pela Espanha. De um lado, a atual campeã europeia tentando defender a coroa. Do outro, a seleção que tomou o mundo há dois anos e buscava completar o quadro com a taça continental. Em Basileia, a atmosfera foi de final grande: estádio tomado, expectativa na arquibancada, e um campo que aguentou bem apesar do dia com promessa de tempestade.
A Espanha começou com a bola. Não foi surpresa. A equipe que dominou o Mundial manteve a identidade: posse paciente, triangulações curtas, circulação para abrir espaços, laterais altas e meio-campo técnico. A Inglaterra, mais direta, esperou um pouco atrás e tentou acelerar pela direita, com diagonais para atacar o espaço às costas da zaga espanhola. Nos primeiros 20 minutos, a Espanha prendeu o jogo no campo inglês e encontrou chances em chutes de média distância e infiltrações pelo corredor esquerdo.
O gol espanhol no primeiro tempo coroou esse domínio inicial. A jogada nasceu de uma recuperação alta, passe vertical e finalização precisa. Tomar o 1 a 0 acordou a Inglaterra. A partir daí, as Lionesses subiram a marcação, forçaram erros de saída e empataram o duelo físico no meio. A primeira parte terminou com a Espanha ligeiramente melhor na bola, mas com a Inglaterra já impondo dúvidas e encostando nas segundas bolas.
Na volta do intervalo, Sarina Wiegman mexeu no ritmo. A Inglaterra adiantou a linha, acertou a pressão e achou o empate no segundo tempo, em jogada construída com paciência: inversão rápida, passe para dentro da área e finalização certeira. O 1 a 1 deixou a partida num fio. A Espanha manteve a posse, a Inglaterra ganhou terreno nas transições. Em alguns momentos, o jogo virou xadrez: um passo a mais na pressão, um passe fora de tempo, e as duas equipes alternavam superioridade.
Quando a partida foi para a prorrogação, o desgaste ficou nítido. Ainda assim, ninguém se escondeu. A Espanha criou boa chance com infiltração entre zagueiras; a Inglaterra respondeu com um chute cruzado que passou muito perto. As treinadoras ajustaram peças, tentaram dar fôlego novo nas pontas e nas meias, mas a perna já pesava. O 1 a 1 resistiu até o fim dos 120 minutos.
Nos pênaltis, a frieza fez diferença. A Inglaterra abriu a série e acertou a primeira cobrança, baixando a pressão. Do lado espanhol, a primeira batida saiu à meia altura e Hampton foi nela. A goleira inglesa, segura de ponta a ponta, cresceu de novo na terceira cobrança da Espanha e evitou o empate que recolocaria drama no desempate. Com duas defesas no bolso e a equipe à frente, coube a Chloe Kelly confirmar a história. Ela, que já havia decidido a final de 2022, bateu com convicção e fechou a conta: 3 a 1 para as Lionesses.
Hampton levou o prêmio de melhor em campo. E mereceu. Além dos pênaltis, salvou uma chegada perigosa no fim do tempo normal e saiu bem do gol em cruzamentos que poderiam ter virado problema. Em finais, goleira decide — e ela decidiu.
- Gol da Espanha no primeiro tempo: posse, recuperação alta e finalização precisa.
- Empate da Inglaterra no segundo tempo: pressão adiantada e jogada bem trabalhada pela direita.
- Prorrogação de chances trocadas e pernas pesadas, mas sem gols.
- Pênaltis: 3 a 1 para a Inglaterra, com duas defesas de Hampton e cobrança decisiva de Chloe Kelly.
Para Sarina Wiegman, o título tem um peso especial. É o terceiro troféu da Euro na carreira, marca que a coloca no mesmo patamar histórico de Gero Bisanz e Tina Theune. Para a seleção inglesa, é mais do que a defesa de um título: é a confirmação de um projeto que aprendeu a competir sob pressão, a segurar vantagem e, quando necessário, a sofrer sem perder o foco.
Do lado espanhol, a derrota dói, mas não apaga nada. A equipe mostrou a mesma identidade que a levou ao topo do mundo. Teve bola, criou, marcou bem em muitos momentos e empurrou a Inglaterra para trás quando precisava. Em pênaltis, o detalhe pesa. Desta vez, o detalhe jogou contra.
O que muda com o título: impacto para Inglaterra, Espanha e a Euro
O bi inglês mexe com a narrativa do futebol feminino no continente. Em poucos anos, a Inglaterra saiu de candidata forte para potência estabelecida. A seleção aprendeu a vencer de modos diferentes: goleando quando sobra, e suportando o drama quando o jogo pede nervos. Em Basileia, o título saiu na raça, na disciplina tática e, claro, num momento de brilho individual no gol.
Esse resultado também vale para o vestiário. Manter um grupo unido por dois ciclos seguidos não é simples. Trocas naturais acontecem, novas jogadoras chegam, veteranas mudam de papel. A consistência em mata-matas mostra que a estrutura técnica dá suporte para essas transições. Wiegman tem um elenco com respostas: laterais que fecham bem por dentro, meias que alternam entre pressão e posse, atacantes que atacam o espaço e prendem a bola quando o time precisa respirar.
Para a Espanha, fica a lição de que o plano funciona mesmo em jogos grandes. A equipe levou a final ao seu ritmo por longos momentos, exigiu o máximo da linha defensiva inglesa e só foi freada na marca da cal. O caminho é continuar evoluindo no último terço: transformar posse dominante em chances mais limpas, especialmente quando o adversário fecha a área e reduz cruzamentos. Ainda assim, o conjunto espanhol está onde queria estar: brigando por título em todo grande torneio.
Em termos históricos, a final entra para a lista das mais disputadas da Euro feminina. Foi a 14ª decisão do torneio e, pela primeira vez, colocou frente a frente a campeã europeia vigente e a campeã do mundo vigente. O cenário elevou a temperatura do jogo e deu ao título um sabor de afirmação. Para a UEFA, é o tipo de final que ajuda a acelerar o crescimento do produto: grande audiência, praça organizada, futebol de alto nível e um roteiro que prende o público até o último chute.
O palco também contou. St. Jakob-Park, tradicional em jogos europeus, recebeu o evento com estrutura e clima de decisão, apesar do dia ameaçado por trovoadas. O gramado suportou bem e não virou protagonista — bom sinal para uma final em que a bola precisava rolar com qualidade. As torcidas, com forte presença inglesa e espanhola, criaram camadas de barulho e cores que fizeram a TV e quem estava no estádio sentirem um jogo grande.
Na Inglaterra, o troféu deve impulsionar ainda mais a liga doméstica e as categorias de base. Títulos em sequência criam referência e elevam o sarrafo do treinamento no dia a dia. Nas escolas e clubes, mais meninas encontram ídolos atuais, jogos cheios e janela de TV garantida. O efeito costuma aparecer primeiro na defesa e no gol: mais competição por posição, mais treinamentos específicos e mais minutos sob pressão.
Na Espanha, a base já produz há anos e segue alimentando a seleção com jogadoras técnicas, versáteis e acostumadas a decidir. O desafio, daqui para frente, está em manter a intensidade defensiva nos jogos grandes sem perder a fluidez ofensiva. O elenco tem peças para isso: laterais que participam por dentro, meias capazes de mudar o ritmo numa condução e atacantes que finalizam com pouco espaço. Um ajuste na zona de finalização e a equipe seguirá batendo às portas de todos os títulos.
O título também mexe com a conversa sobre treinadoras e metodologias. Wiegman mostra, de novo, que dá para vencer com clareza de ideias e adaptação jogo a jogo. O plano inglês não é rígido. A equipe varia a altura da pressão, alterna amplitude com infiltração por dentro e usa bem as substituições para mudar a cara do jogo. Em Basileia, a leitura foi simples e eficaz: controlar a profundidade espanhola, fechar o funil central e aceitar ter menos bola em alguns trechos para explodir nas transições.
Para quem olha o calendário, o próximo ciclo já começou. O foco vira as datas internacionais, os torneios preparatórios e a construção do elenco para 2027. A briga por espaço na convocação esquenta a cada janela. Com o bi, a Inglaterra ganha confiança para manter o padrão alto em amistosos e jogos oficiais. A Espanha, por sua vez, terá munição para ajustar detalhes e voltar ainda mais perigosa.
No fim, a decisão em Basileia foi uma vitrine do nível atual do futebol feminino europeu. Intenso, técnico, tático e com jogadoras capazes de mudar um jogo numa ação. O placar nos pênaltis não diminui ninguém. Realça, sim, a capacidade de competir no limite.
Uma lembrança fica para quem acompanhou desde o primeiro apito: finais não se medem só por chances e posse, mas pelo controle emocional quando o relógio aperta. Nesse quesito, a Inglaterra foi perfeita. Manteve a cabeça no lugar para buscar o empate, administrou a prorrogação e, na marca da cal, confiou na goleira. Hampton, com duas defesas, cravou seu nome na história da Euro. E Chloe Kelly, outra vez, entrou para a galeria das decisões com a cobrança que confirmou o bi.
Quem esperava um jogo morno se enganou. A final teve contraste de estilos, ajustes táticos e momentos de pura tensão. Teve a Espanha sendo a Espanha, com bola no pé e paciência para construir. Teve a Inglaterra sendo Inglaterra, com leitura de jogo, força mental e efetividade nos momentos-chave. E teve um enredo que vai alimentar conversas por muito tempo — o que sempre acontece quando grandes seleções se encontram.
No fim das contas, Inglaterra x Espanha entregou tudo o que prometia. A taça ficou com quem foi mais efetiva quando o detalhe decidiu. E, para o futebol feminino, ficou a melhor notícia possível: mais uma final grande, com jogadoras e ideias à altura do palco.